domingo, 24 de janeiro de 2010

MEGALOMANIA


Con­tam que Lin­daura, a recep­ci­o­nista do ana­lista de Bagé (segundo ele, “mais efi­ci­ente que pur­gante de maná e japo­nês na roça”), desen­vol­veu um método para sepa­rar os casos gra­ves dos que são só — como diz o ana­lista de Bagé — “lou­cos de faceiros”.

Enquanto pre­en­che a ficha, ela dá a cada paci­ente em poten­cial uma cuia de chi­mar­rão no for­mato de um seio. Depois vai ano­tando: “Quis chu­par a cuia em vez da bomba”, “come­çou a gemer e aca­ri­ciar a cuia”, “ati­rou con­tra a parede”, etc. Assim, quando recebe o paci­ente, o ana­lista de Bagé já sabe o que espe­rar. Mas nada pre­pa­rou o ana­lista de Bagé para a entrada no seu con­sul­tó­rio do megalô­mano de Cara­zi­nho. O diá­logo entre os dois já come­çou mal.

- Te deita no divã. — Não deito.
– Te deita, bagual! — Não deito!
– E por que não deita?
– Em pri­meiro lugar, por­que só quem man­dava em mim era o meu pai, que já está no Grande Gal­pão do céu capando anjo pra fazer lin­guiça. Em segundo lugar, que o ana­lista aqui sou eu.
E com isto o ana­lista de Bagé der­ru­bou o outro com um pei­taço e o segu­rou sobre o pelego do divã com um joe­lho na omo­plata. Gri­tou:
– Diz qual é teu pro­blema!
– Não digo pra qual­quer um!
– Diz senão te arranco esses bigo­des dois a dois.
– Todos dizem que eu tenho mania de ser melhor do que os outros, mas eu não acre­dito neles.
– E por que não?
– Por­que é tudo gente inferior.

O ana­lista de Bagé saiu de cima do outro, mas dei­xou o facão bem à vista, para evi­tar inco­mo­da­ção. O outro continuou.

- Eu tenho mega­lo­ma­nia.
– Não tem — disse o ana­lista de Bagé, brabo. Sabia que era ver­dade, mas não aguen­tava fan­far­rão.
– Quer saber mais do que eu?
– Sei mais do que tu, teu irmão, tua mãe e teu pai, se fosse conhe­cido.
Nisso o megalô­mano de Cara­zi­nho subiu em cima do divã, apon­tou um dedo para o ana­lista de Bagé e ame­a­çou:
– Olha que eu te trans­formo em pedra.
O ana­lista de Bagé abriu a camisa e ofe­re­ceu o peito:
– Pois trans­forma. Quero ver. Trans­forma!
O outro mudou de tática. Ergueu a mão como numa bên­ção e disse:
– Eu te perdôo.
Aí o ana­lista de Bagé avançou.

Na sala de espera, Lin­daura espe­rou meia hora antes de entrar no con­sul­tó­rio. Tinha ordens do ana­lista de Bagé sobre como agir de acordo com os sons que ouvia. “Res­fo­lego, não liga. Gemido, vai pra casa. Grito, te pre­para. Mobí­lia que­brada, entra.” Deci­diu entrar. Encon­trou o megalô­mano de Cara­zi­nho incons­ci­ente embaixo do divã virado, com só metade do bigode. Depois o ana­lista de Bagé expli­cou:
– Doença é uma coisa. Con­ven­ci­mento é outra.
O outro era “metido a gran cosa”. Mas ele per­dera mesmo a paci­ên­cia quando ouvira o outro dizer:
– Sou o maior megalô­mano do mundo!
Apa­re­cia cada um.

O Ana­lista de Bagé, Luis Fer­nando Veríssimo
Um dos meus contos preferidos,
de um dos meus livros preferidos,
de um dos meus autores preferidos.
Minha homenagem a LFV.
(Só de levantar a mão pro meu irmão e dizer "Eu te perdôo", ele sabe o que significa.)


Beijos


Ana Mineira


(Se a pessoa que pegou meu livro emprestado ler isso aqui, favor entrar em contato pelo email do blog pra me devolver, por caridade... Ficar com livro dos outros é muito feio...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário