quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

DRUMMONIANDO


Edu, nosso querido Don Juan de Marco com alma de poeta, me pediu pra falar sobre Carlos Drummond de Andrade. Coitado, abriu a caixa de Pandora... É dos meus poetas preferidos e, mais que isso, sempre me senti muito próxima dele.


"Alguns anos vivi em Itabira.

Principalmente nasci em Itabira."

Confidências do Itabirano


É verdade, Carlos nasceu em Itabira, lá ele passou boa parte da infância, voltando quando se casou para lecionar história e geografia. Itabira é aqui pertim, um "tirim de espingarda"... então sempre que viajo e passo no trevo, logo ali na saída para Vitória, deixo uma olhadinha saudosa. Carlos estudou no Colégio Arnaldo, que fica em um bairro vizinho, e não há como passar na porta sem lembrar do professor que, segundo a lenda, disse que o menino era "retardado". Carlos escalava os arcos do Viaduto Santa Tereza, onde moro. Carlos e eu somos íntimos... e há muito tempo...

No ano de sua morte, minha professora de português mandou fazer um trabalho sobre o poeta. O meu grupo dispensou os velhos cartazes e pequisas e fez uma peça, uma verdadeira antologia poética. Éramos nove alunos e decoramos os poemas que recitávamos lindamente. Tinha figurino, maquiagem, trilha sonora... Um sucesso estrondoso, de público e crítica. A professora ficou tão maravilhada que nos levou em uma turnê
nos apresentando pelo colégio e por outros lugares. É claro que boa parte da turma, que já nos achava metidos a besta, passou o resto do ano com aquele olhar de "aff.." (incrível como pessoas sem graça têm inveja da "interessantice" alheia, né??).

"Por que mente o homem?

mente, mente, mente,
desesperadamente?
Por que não se cala,
se a mentira fala,
em tudo que sente?"
Especulações em Torno da Palavra Homem


A coisa que mais gosto nessa história é lembrar como um poeta tão sofisticado, e cético, e irônico pôde (a reforma ortogáfica que me desculpe, mas vou usar acento diferencial por muito tempo ainda, podem chamar de desobediência civil) encantar e inspirar tanto um bando de meninos... Prova de que a arte é capaz de tocar o coração mais chucro (tem coisa mais chucra que adolescente?).

"Nossa mãe, o que é aquele vestido
naquele prego?
Minhas filhas, é o vestido de uma dona
que passou"
Caso do Vestido

Nada mais gostoso que perceber nessa sofisticação de grande poeta um sotaque tão mineirim... e aquele olhar descomplicado daqueles, que a gente aqui, chama de "gente da roça".

Mundo mundo vasto mundo
Se eu me chamasse Raimundo
Seria uma rima, não seria uma solução
Mundo mundo vasto mundo
Mais vasto é o meu coração
Poema das Sete Faces

Carlos morreu no dia 17 de agosto de 1987, apenas 12 dias depois de sua única filha, Maria Julieta. As fotos e imagens que temos dele são quase sempre de um velhinho careca, muito sério e magro. Mas o Carlos que transparece na poesia acho que nunca saiu de Itabira, nunca teve mais de 18 anos e era um apaixonado... Tanto assim que morreu de amor.

Carlos é parte importante da minha formação de pessoa, de leitora. Foi também com ele que aprendi o valor de ser um estranho ímpar.

Igual desigual

Eu desconfiava:
Todas as histórias em quadrinhos são iguais.
Todos os filmes norte-americanos são iguais.
Todos os filmes de todos os países são iguais.
Todos os best-sellers são iguais.
Todos os campeonatos nacionais e internacionais de futebol são iguais.
Todos os partidos políticos são iguais

Todas as mulheres que andam na moda são iguais.
Todos os sonetos, gazéis, virelais, sextinas e rondós são iguais.
E todos, todos os poemas em versos livres são enfadonhamente iguais.
Todas as guerras do mundo são iguais.
Todas as fomes são iguais.
Todos os amores iguais, iguais, iguais.
Iguais todos os rompimentos.
A morte é igualíssima.
Todas as criações da natureza são iguais.
Todas as ações, cruéis, piedosas ou indiferentes, são iguais.
Contudo, o homem não é igual a nenhum outro homem, bicho ou coisa.
Ninguém é igual a ninguém.

Todo o ser humano é um estranho ímpar.


* Esse post é dedicado ao edu.

* Coloquei apenas trechos e nomes da maioria dos poemas, até porque senão o texto ficaria mais gigantesco que já está... quem quiser joga o nome no Google, tá?

Beijos

Ana Mineira

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