quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

OUTROS CARNAVAIS




Belo Horizonte é uma cidade bem provinciana (posso falar à vontade, sou filha dela e fã irremediável), com todo seu status de terceira capital do país e problemas de metrópole é, como muitos de nós costumamos dizer em momento de irritação extrema, uma roça. Meu bairro é pior. É a roça dentro da roça. Aqui falta pouco pra gente se chamar de "cumpadre". Dentro da roça, que fica na roça, tem um clube. O Oásis Clube. Ou para os íntimos Oásis Night Club. Ou para os ainda mais íntimos: o Nights. A melhor coisa do Nights pra mim é o slogan, uma verdadeira pérola da publicidade: "Tranquilidade dentro da cidade."

Nunca fui sócia, mas até os 18 anos, tinha uma época do ano, em que frequentava o Nights religiosamente: o carnaval.
Até hoje ainda fico meio nostálgica quando vai chegando... Já passei a folia na Bahia com trio elétrico e tudo mais, no interior, em diferentes cidades, na praia, na montanha, na fazenda, enfim, já tive uma cota satisfatória de carnavais. Mas, em se tratando de inesquecível, nada se compara aos meus tempos de Oásis Clube. Alguns devem estar pensando: "Santo programa de índio, Batman!" E era mesmo. Aliás, todo mundo sabe, que ficar nessa cidade durante o carnaval é, por si só, uma tremenda fria. Acontece que na minha infância meus pais raramente podiam viajar, eu ficava aos cuidados da minha avó e essa era a única opção.

Os bailes aconteciam em três sessões: a matineé, o soireé e o carnaval noturno. Todos nós no bairro começávamos pelo baile infantil. Ainda me lembro da primeira matineé que fui, o salão lotado, fiquei assustadíssima... Com o tempo fui me acostumando até ficar com vontade de ir ao soireé, que era juvenil, digamos assim.
A dinâmica dos bailes diurnos era esquisitíssima, digna da época. Havia uma roda, que girava em torno de si, com as pessoas entrelaçando os braços em grupo. Em volta dessa uma outra roda pra quem só queria observar. De manhã, além das crianças catando confete no chão, tinha os adolescentes em começo de carreira, 13, 14 anos e os pré-adolescentes ensaiando na tal roda. A tarde a vez dos "grandes", só meninos e meninas entre 13 e 20 anos (será q alguém ali chegava a ter 20?). O ano em que mesmo frequentando o baile da manhã você conseguisse permissão dos seus pais para ir ao soireé era um acontecimento memorável, um verdadeiro rito de passagem...

A música era mecânica e praticamente a mesma ano após ano. Misturavam-se as eternas marchinhas, músicas tradicionais, sambas, frevos e MPB carnavalesca com os hits daquela temporada. O salão era um forno. E se já estávamos pegando o boi de nos deixarem ir ali, tínhamos que nos virar com o dinheiro que davam, que geralmente era uma miséria... Acabava o dinheiro pra comprar refrigerante?? O bebedouro era logo ali... Então, se era tanto desconforto, tudo tão precário... Por que tanta saudade??

Estávamos no auge da adolescência, nos divertíamos como se o mundo fosse acabar na quarta-feira de cinzas. Quase
todos ali eram moradores do bairro, mas durante o resto do ano tínhamos poucas oportunidades de trocar mais do que olhares. E naquele lugar a vigilância de adultos era quase zero... a não ser para os pobres coitados que eram obrigados a ir acompanhados e que ficavam com uma cara...Era tempo de liberdade, de paquera. Os amores, de carnaval ou não, eram a grande motivação de todo mundo. Então só nos preocupava quem ia, como ia, com quem ia e se ia voltar no dia seguinte . A sensação era indescritível, nunca ficava chato, cada volta naquela roda era emocionante. Tanta intensidade que dava frio na barriga.

Hoje vejo aqueles mesmos rostos (ninguém muda dessa pocilga!!!) sem as bochecas e formas da puberdade, é claro. E sem os shortinhos (ah... o meu shortinho jeans e seu eterno inimigo... meu pai...), blusinhas e camisas de bloco... E não mais flertando... Vejo no supermercado, no sacolão, no banco, nas portas das escolas atravessando crianças. Mas consigo lembrar de cada um dentro daquele salão, em seu lugar preferido, esperando sua paquera passar... Lembro das sensações, de olhares ansiosos e corações disparados. Lembro de cada música... E da tristeza que a gente sentia quando o locutor dizia "Até o ano que vem." É fácil olhar pra trás e perceber que aquelas cores, e cheiros e sentimentos não eram pela época do ano, eram pela época da vida e constato isso sem a menor melancolia. Sei que foram os melhores carnavais de todos os tempos porque estavam impregnados de adolescência!!

Foi bom te ver outra vez...
tá fazendo um ano...
foi o carnaval que passou!
Eu sou aquele pierrot
que te abraçou
e que te beijou, meu amor...
A mesma máscara negra esconde o teu rosto
eu quero matar as saudades...
Vou beijar-te agora,
não me leve a mal...
Hoje é carnaval...

Beijos e bom carnaval!

Ana Mineira

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