terça-feira, 11 de maio de 2010

HERANÇA

Essa semana ouvi no rádio a música "Tropicália", de Caetano Veloso, que é do álbum com o mesmo nome, lançado entre 1968 e 1969, e que deu o nome ao movimento do Tropicalismo.
Deve ter sido uma das primeiras vezes que a ouvi no rádio. Não é muito conhecida, até porque é forte, pesada de ouvir em todos os sentidos. Ainda assim a conheço desde muito pequena. Meu irmão também. É uma das nossas canções preferidas de todos os tempos.


Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés, os caminhões
Aponta contra os chapadões,
Meu nariz


Eu organizo o movimento
Eu oriento o carnaval
Eu inauguro o monumento
No planalto central do país

Viva a bossa, sa, sa
Viva a palhoça, ça, ça, ça, ça

O monumento é de papel crepom e prata
Os olhos verdes da mulata
A cabeleira esconde atrás da verde mata
O luar do sertão

O monumento não tem porta
A entrada é uma rua antiga,estreita e torta
E no joelho uma criança sorridente,feia e morta,
Estende a mão

Viva a mata, ta, ta
Viva a mulata, ta, ta, ta, ta

No pátio interno há uma piscina
Com água azul de Amaralina
Coqueiro, brisa e fala nordestina
E faróis

Na mão direita tem uma roseira
Autenticando eterna primavera
E no jardim os urubus passeiam a tarde inteira
Entre os girassóis


Viva Maria, ia, ia
Viva a Bahia, ia, ia, ia, ia

No pulso esquerdo o bang-bang
Em suas veias corre muito pouco sangue
Mas seu coração
Balança a um samba de tamborim

Emite acordes dissonantes
Pelos cinco mil alto-falantes
Senhoras e senhores
Ele pões os olhos grandes sobre mim

Viva Iracema, ma, ma
Viva Ipanema, ma, ma, ma, ma

Domingo é o fino-da-bossa
Segunda-feira está na fossa
Terça-feira vai à roça
Porém

O monumento
é bem moderno
Não disse nada do modelo do meu terno
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem
Que tudo mais vá pro inferno, meu bem

Viva a banda, da, da
Carmen Miranda, da, da, da da, da da da

Não foi através dos meus pais, que sempre foram muito conservadores em termos de música, e ouviam tangos, boleros e seresteiros. Mas na casa da minha avó, onde passávamos boa parte do tempo, meu tio mais novo tinha discos interessantes. Entre eles uma coletânea de banca de revista do Caetano, que tocava sem parar. Nós crianças, espojinhas que éramos, em pouco tempo sabíamos de cor "Alegria, alegria", "Baby", "London, London" e, claro, "Tropicália". Aquela melodia, aqueles versos cresceram em nós e conosco e foram determinantes pra nossa formação musical, pra nossa formação humana (a música sempre ocupou e ocupa ainda uma boa parte do nosso universo).



Outro LP (ah, gente!!! por favor não façam cara de desentendidos, você sabem o que é...) que nos invadia e me lembro da capa como se fosse hoje, era Refazenda, do Gil. Todo maravilhoso, do início ao fim...

Traga-me um copo d'água, tenho sede
E essa sede pode me matar
Minha garganta pede um pouco d'água
E os meus olhos pedem seu olhar



Pairando sobre tudo isso estava o ídolo maior do meu tio. Quem?? Ele, Chico Buarque. Se eu fechar os olhos vejo a casa, sinto o clima do piano e das sirenes e ouço os versos geniais que não entendia na época:

Acorda, amor
Eu tive um pesadelo agora
Sonhei que tinha gente lá fora
Batendo no portão, que aflição
Era a dura, numa muito escura viatura
Minha nossa santa criatura
Chame, chame, chame, chame o ladrão.



É engraçado como uma pessoa sem saber, sem querer, pode influenciar tanto na vida de outras. E foi o que aconteceu. Meu tio era muito jovem e só estava curtindo seus discos modernos. Mas de alguma forma, que não sei explicar, é como se soubéssemos da relevância daquelas aulas involuntárias, então devorávamos versos e sons, caladinhos... Foi a riqueza da música que despertou em nós o gosto, o ouvido, e que acabou se tornando um presente, uma herança das mais valiosas.

Beijos

Ana Mineira

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